30 junho 2008

A rainha Eleonora e a origem do clarete






“Ela viveu como bem entendeu e morreu aos oitenta anos feliz, rica e com todos os dentes na boca.”




Por 299 anos, a Coroa inglesa possuiu uma faixa da França que se estendia do rio Loire aos Pirineus.
Aquitânia – “terra das águas” era dominada por uma série de duques, um dos quais escrevia versos encantadores; o ducado era poderoso e influente.
No século XII, o duque governante não tinha um filho, apenas duas filhas.
Como queria fazer uma peregrinação a Compostela
deu a filha mais velha, Eleonora, em noivado ao filho do então rei da França,
de modo que suas terras ficassem protegidas.
Eleonora de Aquitânia era uma mulher muito a frente de seu tempo.
Talvez até um pouco demais para seu marido, beato e centenas de vezes corneado pelas infidelidades da mulher, Luís VII, o rei com a virilidade mais questionada da história da França.
E não porque fosse gay, hein,
mas sim pelas contínuas afrontas de Leonor,
que em vez de se manter detrás da cortina, discreta e em segundo plano como cabia às grandes damas do século XII,
revolucionou camas, decretou guerras
e até organizou uma Cruzada à Terra Santa só porque estava um pouco entediada.
E porque podia; claro:
quando se é a mulher mais rica da época,
herdeira de uma super bagagem intelectual
e senhora de meia Europa
não é um simples marido-rei que vai impor condições e limites na cama e no poder, né?
Ainda menos um como Luís VII, inseguro diante da personalidade forte, independência econômica e libido desenfreada da mulher.
Em vez de se pôr à altura da fraqueza física e moral de Leonor, Luís se acovardou,
aceitando bem caladinho que a mulher procurasse nos braços de inúmeros amantes a compreensão e a felicidade que ele ficava assustado em dar pra alguém tão sem pudores mentais.
Em pouco tempo e por exigência da própria Leonor, o Vaticano lhes concedeu o divórcio.
O resto da estória pra quem não conhece, é mais interessante:
Leonor, de 29 anos, considerada velha, casou-se com Henrique II (ainda adolescente)
e lhe deu oito filhos - entre eles Ricardo, Coração de Leão e João Sem Terra -
promoveu o estudo das artes e ainda favoreceu o nascimento do amor cortês
dando uma vida fausta na corte para diversos trovadores, primeiros contadores das lendas do rei Arthur numa Europa embrutecida por analfabetos assustados com o fim do mundo.
Foi nessa época que os vinhos produzidos na região de Bordeaux
– principalmente na área de Graves –
eram diferentes daqueles que vinham do “norte do país”,
produtos mais escuros e frutados.
Esses tinham que competir com vinhos mais leves,
plus clair, da região de Bordeaux.
Assim, os mercados de exportação gostavam dos vinhos plus clair,
que se tornaram conhecidos por clairet, e os pediam.
Mesmo quando os ingleses foram expulsos de Bordeaux,
o comércio de vinho entre os dois países permaneceu vigoroso,
e até 1803 o Estandarte Real Britânico apresentava a flor-de-lis da França.
Assim, o vinho plus Clair continuou favorito dos ingleses.
Houve tentativas de fazer com que se alinhassem com o restante do mundo
e uma vez, alguns anos atrás, pediu-se ao então representante da Associação de Vinhos e Bebidas Alcoólicas da Grã-Bretanha que justificasse essa individualidade diante dos eruditos do Mercado Comum Europeu em Bruxelas.
Por sorte, esse homem era não só respeitado e experiente no comércio de vinhos,
mas também casado com uma senhora francesa:
assim, enquanto os personagens do Mercado Comum Europeu colocavam suas questões e esperavam que fossem traduzidas para benefício do supostamente semi-educado britânico,
o inglês podia calmamente considerar que respostas daria.
Finalmente, quando lhe perguntaram por que deveria ser aberta uma exceção para o Reino Unido,
ele armou a resposta cuidadosamente para dizer que nesse caso,
sim, a exceção deveria ser aberta –
por que a coroa britânica tinha sido proprietária daquela fatia da frança,
que na época incluía Bordeaux, por 299 anos.
Então, é assim que os britânicos e todo o resto do mundo de língua inglesa
ainda chamam o Bordeaux tinto de clarete."

(Textos extraídos do livro “Curiosidades sobre o vinho” de Pamela Vandyke Price.)

L.

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